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Robert Smith e companhia tocam por 2h30 sucessos de diferentes eras do grupo e encerram festival com apoteose pós-punk gótica. Vocalista do The Cure mostrou afinação em dia e muita energiaFábio Tito/g1Com duas horas e meia de duração, o show do The Cure que encerrou o domingo (3) no Primavera Sound 2023 não foi só o mais longo do festival, foi também o melhor.A duração ajuda, mas não é só isso. A banda de pós-punk gótico usa de sua experiência adquirida ao longo dos 45 anos de existência para manter o público, que em sua grande maioria tinha vindo mesmo para vê-los, na mão do começo ao fim.A apresentação é a quarta passagem do grupo britânico pelo Brasil. Depois de 1987 e 1996, a última vez foi em 2013 – há mais de uma década.Do alto de seus 64 anos de idade, com os característicos cabelos bagunçado para cima e um batom borrado, o vocalista e único membro fundador ainda no Cure Robert Smith guia o público em uma jornada cheia de altos e baixos sentimentais e uma voz que continua uma das melhores do rock.Momentos mais introspectivos, como a sequência de "Lovesong" e a nova "And nothing is forever", se revezam com as batidas alegres e dançantes de "Friday I'm in Love" e "Close to me". Há também os espaços óbvios para cantar com olhinhos fechados e mão no peito, como em "Just like heaven". Até as três músicas de seu novo disco ainda não lançado, "Songs of a lost world" agradam com o puro suco de Cure.É o caso da responsável pela abertura da apresentação, "Alone". Nos primeiros acordes, dá para ver alguns olhares curiosos de fãs que tentam reconhecer a canção, confusos pela familiaridade.Ao final, apesar de aplausos tímidos, Smith fala o primeiro de seus "obrigado" em português. "É bom estar de volta", completa, em inglês, com uma camiseta preta com a bandeira do Brasil por baixo da camisa também, é claro, preta. "Pictures of you", a primeira das seis faixas do álbum "Disintegration" – para alguns, o melhor disco do grupo – que compõe o longo setlist, vem logo em seguida e bota todo mundo para dançar parado e cantar com emoção."High" segura o clima, mas é o peso de "A night like this" o grande cartão de apresentação do grupo. "Lovesong" arranca o maior coro do comendo do show. "And nothing is forever", outra das novas, dispersa um pouco a energia – apesar de belíssima. A pancada de "Burn" mostra que apesar do longo tempo na estrada e as mudanças de formação, o Cure continua tecnicamente no auge. "Inbetween days" abre a guarda dos fãs, que voltam a aquecer as cordas vocais no refrão, para "Just like heaven" levar a galera à lona. Cantada do começo ao fim, a música do disco "Kiss me kiss me kiss me" continua um dos grandes sucessos da apresentação. A energia cai novamente com "At night" e "Play for today", apenas para ser recuperada por "A forest", que na longa e lenta introdução já consegue gritinhos emocionados. No solo cadenciado de Smith, o público bate palma com o baixo de Simon Gallup. No Cure desde 1979, com um intervalo de três anos, ele é o integrante mais antigo da banda, com exceção do vocalista. Os sete minutos de "From the edge of the deep green sea" são executados à perfeição, mas um pouco longos demais. Eles não ajudam a introdução da última nova da noite. "Endsong" é a última antes do primeiro bis e desafia até o mais apaixonado com seus mais de 10 minutos. Com extensos momentos musicais, a canção se encaixa bem no jeitinho Cure de ser, mas perde um pouco o público. A essa altura, os menos fanáticos, ou turistas de festival, já começam a se retirar para evitar o rush. Mal imaginam que ainda faltam 12 músicas – quase uma hora de show pela frente. Nos dois bis, o Cure adota a estratégia do "um para mim, um para vocês". O primeiro deles claramente é composto de cinco canções próximas ao coração do grupo. Tocadas com calma, sem pressa, Smith faz barulho sem ligar para palmas mais tímidas. É assim com "It can never be the same", "Want" e "Charlotte sometimes". "Plainsong" parece saída de uma sessão de estúdio. Enquanto algumas faixas ganham novas personalidades ao longo da apresentação, essa parece saída direto de "Disintegration" – não se mexe em time que está ganhando.Ao voltar para o segundo bis, Smith arrisca mais algumas palavras para o público. Como bom introvertido, ele balbucia as palavras meio para dentro, longe do microfone. Tudo bem. Guarda a dicção pras músicas. "Lullaby" abre a última parte com uma teia gigante ilustrando o telão no palco. Nem todo mundo conhece tão bem, mas os versos sobre a fome de um homem-aranha ganham coro.