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'Girl you'll be a woman soon': como um rock mal tocado de uma banda sem hits foi parar em 'Pulp Fiction'

Por G1 em 28/02/2023 às 07:18:12
'Estávamos chapados tocando. A gente nunca aprendeu a tocar do jeito certo', diz vocalista do Urge Overkill, sobre tema do filme de Tarantino. Série 'Quando eu hitei' tem artistas que sumiram. Quando eu hitei: Membros do Urge Overkill falam como filme de Tarantino mudou suas vidas

Em 1994, o Urge Overkill achou que havia chegado ao auge. A banda americana de rock alternativo tinha quatro discos e saiu em turnê com o Nirvana. Mas eles não sabiam que iriam emplacar uma música na trilha de um filme dirigido por Quentin Tarantino. A cena com Uma Thurman e John Travolta dançando em "Pulp Fiction" mudou a vida deles.

O primeiro a gravar "Girl you"ll be a woman soon", no entanto, foi Neil Diamond, em 1967. O cantor americano vendeu mais de 100 milhões de discos e teve dez hits no topo da parada da revista "Billboard". A estranha balada sobre uma garota-mulher não foi um deles.

"Era uma música absolutamente desconhecida. A gente ouviu e pensou 'Que porra é essa?'", conta o vocalista Nash Kato ao g1 (veja entrevista acima).

Na série "Quando eu hitei", artistas do pop relembram como foi o auge e contam como estão agora. São nomes que você talvez não se lembre, mas quando ouve a música pensa “aaaah, isso tocou muito”. Leia mais textos da série e veja vídeos ao final desta reportagem.

Uma Thurman e John Travolta em 'Pulp Fiction', filme de 1994

Divulgação/Miramax

O Urge Overkill foi formado em 1986 em Chicago, tendo como núcleo base Nash e o guitarrista Eddie "King" Roeser, remanescentes da banda, que segue lançando discos. Eles e os outros caras do grupo moravam juntos e frequentavam brechós locais em busca de looks para fotos, shows e clipes.

"São corredores e corredores de roupas, móveis e outros enfeites", lembra Kato. "Era daí que nossos primeiros ternos vieram, direto do brechó, e nós pegamos um monte de vinis. Os discos custavam uns 10 centavos."

Foi de um desses vinis que saiu "Girl you"ll be a woman soon". "A gente estava sentado ouvindo uma coletânea de gravações do início da carreira do Neil Diamond na gravadora Bang, antes de ele ser da RCA."

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Na falta de mais uma música para completar um EP, resolveram tocar a tal canção estranha do disco comprado no brechó. "Qualquer banda vai dizer para você: 'Na dúvida, vai lá e pega uma cover interessante e faça que ela seja sua'. Foi o que fizemos", resume Nash.

Boy, we'll be old an men soon...

Nash Kato, vocalista do Urge Overkill, em 1994 e em 2022

Divulgação/Site Oficial

"Nós gravamos as músicas que a gente já tinha e fomos à casa do Kramer", diz ele, citando o produtor que já havia trabalhado com nomes alternativos, do folk (Daniel Johnston) e dream pop (Galaxie 500) ao metal (White Zombie).

"A gente meio que teve sorte... A gente fez meio que de zoeira", reconhece King. "A gente deixou tudo ligado e se você ouve hoje, a guitarra está tão fora do tom, não sei no que a gente estava pensando... mas ele tirou o melhor de nós."

"Estávamos chapados tocando, porque a música é tão simples... Ninguém tinha a letra escrita e não tinha como procurar na internet ou qualquer coisa assim. Acho que a gente nunca aprendeu a tocar do jeito certo, como a música realmente é."

"Kramer estava deixando a gente tão doido", relembra Nash. "Até que ele disse: 'Esse é o hit de vocês, esse é o hit de vocês!' E eu respondia: 'O que você está falando? Somos só uma banda de garagem de Chicago, não temos hits, as pessoas mal compram nossos discos'."

Foto do álbum 'The Supersonic Storybook', em 1991, na formação do Urge Overkill com o baterista Blackie Onassis

Reprodução/Capa do disco

Nash e King já eram fãs de Tarantino e amavam "Cães de Aluguel". Então, ficaram felizes em ter uma música escolhida pelo então jovem diretor americano. Não sabiam, porém, que o filme faria tanto sucesso.

"Pulp Fiction: Tempo de violência" teve sete indicações ao Oscar de 1995, incluindo melhor filme. Ganhou a estatueta de melhor roteiro original.

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"Estávamos gravando o álbum 'Exit the Dragon' e recebemos uma ligação. 'Precisamos que vocês voem para Los Angeles para ver este filme... precisamos do seu OK. Já está tudo filmado, acho que vocês vão gostar'. E a gente viu que eles usaram muito da música, cortes mais longos da música e ela tocava de verdade no filme. Eles iam tocando, para a cena continuar, uma cena crucial", recorda Nash.

"Era um filme estranho", adjetiva King. "Nós éramos os únicos vendo o filme no Hollywood Theatre nessa pré-estreia e o foi tão cativante e intenso que nós esquecemos literalmente porque estávamos lá vendo antes. Nós ficamos deslumbrados, sabe? Acho que nem o Tarantino esperava que fosse virar esse hit global, tanto o filme, quanto a trilha."

O guitarrista lembra que a maioria dos artistas da trilha sonora estavam aposentados. "Então, quando tinham que enviar uma banda para o resto do mundo para tocar na TV, acabamos fazendo várias apresentações tocando um playback maluco em todo o mundo. Algo que nunca teríamos a chance de fazer. Nos divertimos muito, por causa daquele filme."

Samuel L. Jackson e John Travolta em cena do filme 'Pulp Fiction'

Divulgação/Miramax

Tour com Nirvana (no auge)

Até hoje, "Girl you'll be a woman soon" é disparado o maior sucesso do Urge Overkill. Mas eles tiveram outras músicas bem recebidas pelos fãs de um rock alternativo que unia peso e melodia, como "Positive Bleeding".

Dois anos antes de lançarem essa música, a banda saiu em turnê com o Nirvana. Os dois grupos eram da mesma gravadora, a Geffen. O ano era 1991 e eles viram o crescimento da banda de Kurt Cobain, show a show, com o público pirando em todas as músicas. Mas tinha uma que se destacava: uma tal de "Smells like teen spirit".

"Outra banda não podia, então saímos em turnê com o Nirvana nos Estados Unidos depois que o 'Nevermind' saiu", explica Kato, protocolarmente. "Depois, ainda fizemos um show com eles em Roma. E foi uma noite inesquecível. Era o aniversário de Kurt ou algo assim? Recebemos a notícia de que o Nirvana tinha passado o disco do Michael Jackson e tinha ido para o número 1 na 'Billboard'."

Conviver com Kurt no backstage dos shows, conta Nash, fez com que o som do Urge Overkill ficasse mais pesado e pop. Era comum eles mostrarem novas ideias de música para os companheiros de turnê.

"Ninguém jamais imaginou que bandas assim chegassem a esse lugar", garante Nash. "Você pegava uma guitarra talvez se você fosse o mais excluído, quem ficava só olhando, o maior desajustado da sua escola… talvez aí você pegasse uma guitarra e agora era como se todos os caras com guitarra estivessem dominando o mundo."

"Durou um tempo nos anos 90. Então, compreensivelmente eu acho, o hip hop voltou", diz o vocalista, resignado. "Mas houve um tempo em que um monte de caras como nós estava no comando e temos sorte que estávamos no auge de nossa carreira. Olhando para trás, talvez não tenhamos percebido o quão bom aquilo era ou pensamos que poderia durar para sempre."

O Urge Overkill posa como um trio no começo dos anos 90 com Eddie "King" Roeser (centro) e Nash Kato (direita)

Divulgação/Facebook da banda

Nesse auge do rock dos anos 90, o Urge Overkill trabalhou com dois dos maiores produtores do estilo, que ajudaram a moldar o som do Nirvana e de outras bandas do rock alternativo como Pixies, Smashing Pumpkins e Sonic Youth: Steve Albini e Butch Vig.

"Você é muito generoso chamando Albini de um dos maiores produtores de todos os tempos", interrompe Nash, rindo com algum desdém. "Não tenho certeza se concordamos com isso, mas ele foi fundamental para começarmos. Ele era mais ou menos autônomo, e não conhecíamos mais ninguém para nos gravar. Ele estava só começando, aprendeu conosco e nós aprendemos com ele. Éramos uma espécie de cobaia para ele."

O tom muda quando o cantor fala de Butch Vig. Segundo ele, esse sim era "um grande cara e um grande produtor". "Era o mais acessível, a gente conseguia pagar pela expertise deles. Muitas das bandas da gravadora Touch and Go usavam esses produtores e foi por isso que Kurt [Cobain] teve a ideia de usá-los, mas nós não estávamos em posição para escolher um grande produtor. Nós usamos o que estava perto e quem nós poderíamos pagar."

Urge Overkill em 2022: o vocalista Nash Kato e o guitarrista Eddie 'King' Roeser

Divulgação/Site Oficial

O vocalista diz que naquela época do noise rock, era difícil achar produtores que pouco se preocupavam com a parte vocal do som, que seria o caso de Albini. Para ele, Vig era "das antigas". "Ele cresceu mais com o rock clássico e não tinha problema mesmo com a banda mais barulhenta do mundo, o Killdozer."

"A gente queria alguém que não tivesse medo de aumentar o volume da voz... pode não ser a melhor voz do mundo, mas a gente queria ouvi-la. Não queríamos ouvir só um monte de barulho sujo, queríamos uma versão mais articulada do que a banda estava tentando fazer."

As regras do jogo eram manter os vocais enterrados e acho que mais tarde ele aprendeu com a gente que está tudo bem. Se você tem alguém que está realmente acrescentando à música, uma voz que alguém possa querer ouvir, como o Black Francis do Pixies, ele aprendeu a dizer "ok, isso é uma das coisas mais interessantes da gravação e vou colocar pra cima".

Pausa e retorno

Capa do disco 'Oui', do Urge Overkill

Divulgação

O Urge Overkill deu uma pausa a partir de 1997, um ano depois de terem feito shows no Brasil, no festival Hollywood Rock. "Nós ficamos uma semana inteira. Foi como férias pagas. Fizemos o show em São Paulo e fizemos o show no Rio. Mas tivemos uma semana entre eles, com férias pagas. Adoramos a comida, as pessoas, a música, tudo, sabe?", elogia o vocalista.

A partir de 2004, a banda retomou a carreira com shows e lançamentos esporádicos. Em 2022, saiu o primeiro álbum deles em mais de dez anos. O disco "Oui" tem músicas com letras mais positivas, como "How Sweet the light". "Ela faz uma defesa da vida... Já fizemos nossa cota de álbuns obscuros ao longo dos anos e estávamos nos sentindo muito positivos sobre as coisas."

Hoje com 56 anos de idade e 35 de banda, Nash Kato mudou a forma como vê o Urge Overkill. "Quando você está respirando, comendo e cagando a banda... quando isso tudo consome você, é tudo o que você tem, é como se fosse só uma próxima refeição vindo", compara.

"Mas você chega a um ponto que você fica um pouco mais velho e ainda quer fazer música, você ainda curte, ama os fãs… Nesta era digital, é estranha a ideia de entrar em um estúdio por três dias para fazer um álbum, tipo 'aqui está um saco de maconha, um pack de cervejas e boa sorte'. Agora a gente pode fazer só um ou outro projeto que a gente goste… E, acredite ou não, há outros aspectos da vida além do rock and roll", conclui, rindo.

VÍDEOS: QUANDO EU HITEI

Fonte: G1

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