Cerca de 60 milhões de brasileiros convivem com algum tipo de desconforto de forma crônica, mas falta uma abordagem multidisciplinar para dar alívio aos pacientes Um em cada cinco norte-americanos, ou seja, mais de 50 milhões de pessoas, convive com algum tipo de dor crônica, de acordo com o último relatório do Center for Diseases Control (CDC), que nem sequer contabilizou os moradores de instituições de longa permanência. Por aqui, de acordo com a Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor, são cerca de 60 milhões às voltas com o problema, o equivalente a 37% da população.
De acordo com a Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor, são cerca de 60 milhões às voltas com o problema no país
Gerd Altmann para Pixabay
Isso significa sentir dor por pelo menos três meses seguidos. Parte desse contingente enfrenta a chamada dor de alto impacto, que restringe e até inviabiliza atividades diárias. Segundo especialistas, tal condição pode levar a um quadro de depressão, uso abusivo de substâncias e até risco de suicídio. Para piorar: no envelhecimento, é considerado “normal” que o idoso sinta dor, comprometendo sua qualidade de vida.
Quando se fala de câncer, o panorama é ainda mais dramático. De 60% a 80% dos pacientes com a doença sentem dor e 90% das dores oncológicas – apontadas como uma emergência médica mundial desde 1996 – são tratáveis, mas, na prática, não é o que ocorre. O que impede que a questão tenha a atenção que merece? Aprendi muito na palestra da médica Eloá Soffritti, integrante da clínica de dor do Hospital Copa DÂŽOr, no VIII Congresso Internacional de Oncologia D"Or.
Ela detalhou a teoria da dor total, concebida pela médica e enfermeira britânica Cicely Saunders, que não se limita ao desconforto físico. Temos o aspecto psicológico; impactos sociais, como a perda de trabalho, preocupações financeiras e com o futuro da família; e até uma questão espiritual, que pode se traduzir em perda da fé e na busca pelo significado da vida. Para a especialista, o tratamento tem que levar em conta todas essas dimensões:
“Elas são indissociáveis e precisam ser endereçadas em conjunto. Infelizmente, o controle da dor ainda é inadequado e tem diferentes causas: falta de habilidade dos profissionais de saúde, acesso limitado ao tratamento interdisciplinar e opiofobia”.
Opiofobia? Sim, os profissionais de saúde temem que o paciente se torne dependente dos medicamentos para controle da dor, mas a utilização de uma abordagem multidisciplinar com terapias não medicamentosas está restrita a alguns centros de excelência. A polêmica se agravou com a crise dos opioides nos EUA, mas não se deve perder de vista que a dor não tratada piora a doença, como defende brilhantemente a enfermeira Katharine Kolcaba, criadora da Teoria do Conforto, na década de 1990.
Segundo ela, o bem-estar do paciente vem em primeiro lugar de uma forma transversal, isto é, com a contribuição de todos os profissionais de saúde que lidam com o doente. A lista é longa: médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociaisÂ
O resultado é a melhora da imunidade, mais chances de reabilitação e de adesão ao plano de cuidados. A International Association for the Study of Pain (IASP) elegeu 2023 o ano global para o cuidado integrativo da dor, com ênfase no autocuidado e nas terapias não medicamentosas. Portanto, não se contente com menos.