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Mesmo com suspensão do STF, autor de norma do CFM contra procedimento em aborto legal defende resolução em CPI de SP

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Por G1 em 21/05/2024 às 21:32:24
Raphael Câmara depôs nesta terça em sessão da CPI de Violência e Assédio Sexual e voltou a apoiar norma que impedia 'assistolia fetal' em gestações acima de 22 semanas e foi derrubada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, por indícios de que o conselho estava se sobrepondo à Constituição. Raphael Câmara.

Reprodução/ Câmara de SP

Mesmo com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, tendo determinado a suspensão da resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proíbe médicos de realizarem a chamada "assistolia fetal", Raphael Câmara - autor da norma - defendeu a proposta na Câmara Municipal de São Paulo, em sessão da CPI de Violência e Assédio Sexual.

A norma do CFM, derrubada por Moraes, impedia que os profissionais de saúde fizessem esse procedimento para interromper gravidezes com mais de 22 semanas.

A assistolia fetal consiste em uma injeção de produtos que induz à parada do batimento do coração do feto antes de ser retirado do útero da mulher.

O procedimento é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para casos de aborto legal acima de 22 semanas.

O aborto legal é um procedimento de interrupção de gestação autorizado pela legislação brasileira e que deve ser oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). É permitido nos casos em que a gravidez é decorrente de estupro, quando há risco à vida da gestante ou quando há um diagnóstico de anencefalia do feto.

Não existe limite gestacional para a realização do aborto legal no Brasil.

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Raphel, ex-secretário de Atenção à Saúde Primária do Ministério da Saúde na gestão de Jair Bolsonaro (PL) e coordenador do Núcleo Executivo da Comissão de Humanidades Médicas do CFM, foi o primeiro a falar na CPI, ele estava acompanhado de um advogado e fez uma apresentação sobre a resolução do CFM.

O ex-secretário fez declarações contra o aborto, insistiu que o procedimento de assistolia fetal era equivalente a "uma tortura" ao feto e defendeu que a "medicina indica que após 22 semanas existe a possibilidade de sobrevida do feto fora do útero". A presidente da CPI, Sandra Tadeu (PL) também falou contra o aborto.

Raphael chegou a exibir um vídeo na sessão a respeito da assistolia fetal, que foi criticado pelo ginecologista da Unicamp José Paulo Siqueira Guida, que também falou na CPI.

Segundo Guida, há "erros conceituais importantes" e "informações absolutamente desqualificadas" no vídeo. "Me chama muita atenção quando vinda de um conselheiro federal de Medicina."

Ainda segundo o médico, "50% das mulheres que atendemos por violência tinham mais de 18 anos e 50%, menos. Dentro do grupo das meninas de 14 anos, 50% foram estupradas dentro de casa, isso é dado. A informação é clara: essas mulheres são estupradas em fases muito precoces e dentro das suas casas".

A vereadora Silvia, da Bancada Feminista (PSOL), relatora da CPI, ressaltou que a resolução criada por Raphael "fere o direito das mulheres".

A discussão foi marcada por manifestações nas galerias por pessoas contra e a favor do aborto legal. Duas mulheres, que protestavam a favor, foram retiradas do local. Uma delas levava um cartaz com a frase "Aborto legal é direito".

Ativista defende aborto legal durante sessão de CPI na Câmara Municipal de SP

Reprodução

Dados de prontuários

Além de Raphael Câmara, do CFM, Angelo Vattimo, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), também participou da comissão.

Ambos foram questionados pelos vereadores sobre o acesso dos dados de prontuários de pacientes. Recentemente, a Polícia Civil abriu uma investigação contra a Prefeitura de São Paulo por ter acessado prontuários de pacientes que fizeram aborto legal no Hospital Municipal e Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, na Zona Norte da capital.

O inquérito foi aberto em março deste ano. A gestão não tinha autorização para acessar os dados das pacientes, e a polícia investiga se houve violação do sigilo profissional.

Vereadores questionaram se os conselhos podem ter acesso aos dados e tanto Raphael, quanto Angelo, defenderam que sim. Eles declararam que o acesso aos prontuários é assegurado pela Lei 3.258, de 1957, sobre a atuação dos conselhos das esferas estaduais e federais.

"O prontuário pertence ao paciente, os dados do prontuário. Só que quem é o guardião do prontuário é o médico e a instituição hospitalar. Os hospitais não podem disponibilizar prontuários nem para polícia e nem para MP, só por ordem judicial, mas pela Lei 3.268, temos a prerrogativa da fiscalização do exercício da medicina em todo o estado. Então nós podemos ter acesso a todos as informações do prontuário independentemente", afirmou Angelo Vattimo.

Angelo afirmou que o Cremesp teve acesso a mais de 100 prontuários médicos de procedimentos ocorridos no Hospital Vila Nova Cachoerinha.

"O sigilo médico, por lei, não serve para os conselhos regionais, federais de medicina. Não existe sigilo médico para conselho regional e federal", afirmou Raphael Câmara.

Decisão do STF

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A decisão do ministro Alexandre de Moraes a respeito da norma atende a um pedido do PSOL, autor de uma ação que questionou o tema no Supremo Tribunal Federal. A decisão será julgada no plenário virtual do STF a partir de 31 de maio.

Moraes considerou haver indícios de que a edição da resolução foi além dos limites da legislação.

"Verifico, portanto, a existência de indícios de abuso do poder regulamentar por parte do Conselho Federal de Medicina ao expedir a Resolução 2.378/2024, por meio da qual fixou condicionante aparentemente ultra legem para a realização do procedimento de assistolia fetal na hipótese de aborto decorrente de gravidez resultante de estupro", pontuou.

"Ao limitar a realização de procedimento médico reconhecido e recomendado pela Organização Mundial de Saúde, inclusive para interrupções de gestações ocorridas após as primeiras 20 semanas de gestação (...), o Conselho Federal de Medicina aparentemente se distancia de standards científicos compartilhados pela comunidade internacional, e, considerada a normativa nacional aplicável à espécie, transborda do poder regulamentar inerente ao seu próprio regime autárquico, impondo tanto ao profissional de medicina, quanto à gestante vítima de um estupro, uma restrição de direitos não prevista em lei, capaz de criar embaraços concretos e significativamente preocupantes para a saúde das mulheres", completou.
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