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De volta ao Rock in Rio, Emicida defende força política de festivais: 'Artistas não caíram de Marte'

Por G1 em 04/09/2022 às 07:49:15
Com show carregado de discursos, rapper vai participar do festival neste domingo ao lado de convidados. Ele fala ao g1 sobre manifestações do público e 'história' que pretende contar no palco. Emicida mostra camiseta de Criolo com um título de eleitor e a palavra 'vote' durante show de encerramento do palco principal do Lollapalooza 2022

Fábio Tito/g1

Emicida nem precisaria responder se acha ou não que música e política se misturam. Seu show fala por si só.

"Eu não acho que o palco seja uma bolha ou que a vida dos artistas seja uma bolha. Os artistas não caíram de Marte, entende?", avalia, diante de um debate que sempre se intensifica nas redes sociais quando vai se aproximando um grande festival, como o Rock in Rio.

Ele participará do festival neste domingo (4), ao lado de Drik Barbosa, Rael e Priscilla Alcantara. Sua apresentação, como sempre acontece, deve ser carregada de discursos, num momento em que o país se inflama politicamente, às vésperas da eleição presidencial.

O rapper foi um dos primeiros nomes de seu gênero a conquistar um lugar em eventos como esse. Hoje, após "quatro décadas ouvindo que o rap era uma moda", vê o ritmo no topo das programações. Isso não quer dizer que, para ele, os festivais sejam equilibrados.

Em entrevista ao g1, o cantor reflete sobre a falta de espaço a ritmos consagrados, como o samba. Também fala de acúmulo de trabalho, de sua relação com a fé -- sempre presente em seus shows -- e da "história" que pretende contar na apresentação do Rock in Rio.

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g1 - No Lollapalooza 2022, você fez um show nada óbvio, que deixou de fora alguns de seus principais hits. Como é o processo para escolher as músicas que vão entrar num show de festival como o Lolla e o Rock in Rio?

Emicida - O que eu faço é pensar, antes de qualquer outra coisa, numa história: que história eu gostaria de contar naquela ocasião. No Lollapalooza, a gente estava com a expectativa de ver o Foo Fighters, numa pegada mais rock. Tem a coisa de querer, a cada festival, fazer uma experiência artística diferente porque isso acaba mostrando que a gente consegue se adequar a qualquer universo, que a gente consegue conversar com todo mundo. Eu acho que os festivais também servem para isso.

O Lollapalooza me deu vontade de fazer aquele show mais pesado, subir tocando guitarra. Agora, com o Rock in Rio, a gente está com esse mesmo espírito. O Rock in Rio é uma experiência avassaladora. É um mar de gente e no palco Sunset, em especial, o Zé Ricardo [curador do espaço] conseguiu criar uma comunidade de pessoas que estão muito abertas a experiências musicais das mais diferentes possíveis.

Emicida durante show no segundo dia do Lollapalooza 2022

Marcelo Brandt/g1

g1 - Por causa do valor dos ingressos, só um nicho elitizado de pessoas tem acesso a esses eventos, especialmente no Brasil de hoje, com a crise econômica. Isso influencia na concepção do seu show?

Emicida - É muito difícil você estereotipar quem paga para ir no seu show, seja em que contexto for. Depois de duas décadas tocando, os espetáculos passeiam por universos muito diferentes, onde as pessoas podem não ter a mesma origem de vida que a minha, podem não ter as mesmas características que as minhas, mas elas estão lá, emocionadas e apaixonadas pela minha música. Eu acho muito genuíno porque não foram poucas as vezes em que eu me identifiquei com músicas que chegaram para mim e que não eram, necessariamente, uma reprodução do meu modo de vida.

Eu acho que, se em alguma instância a gente consegue transcender tudo isso e se conectar enquanto ser humano, é a parada mais bonita que a gente pode fazer. Eu valorizo isso demais.

Em geral, as pessoas gostam de bater nessa tecla, por causa do preço dos ingressos, eu concordo com isso. Acho que a gente deveria criar mecanismos para que isso fosse mais acessível e acho que isso é urgente. Ao longo da nossa trajetória, a gente foi muito presente em todas essas lutas e continua sendo porque o objetivo final é que a música chegue no maior número de pessoas, que as pessoas que nos acompanharam durante toda a nossa trajetória não sejam privadas de nenhum tipo de experiência.

Eu acredito que a ponte que a música faz -- principalmente a minha música, principalmente hoje -- não me permite estereotipar as pessoas que escutam ela. Eu também não gostaria que as pessoas me estereotipassem.

g1 - Roberta Medina, que é vice-presidente do Rock in Rio, tem falado em entrevistas que não se faz política em cima do palco de festivais como esse. O que você acha disso?

Emicida -

"As pessoas se conectam com a nossa arte pelo que a gente significa, pelo que a gente cria artisticamente, mas também pelo que a gente sonha para nós e para o mundo."

Nesse sentido, eu acho que não tem nenhum campo da nossa produção artística que não toque, de alguma maneira, numa questão política. Eu não acho que o palco seja uma bolha ou que a vida dos artistas seja uma bolha. Os artistas não caíram de Marte, entende? O não posicionamento político, por si só, já é um posicionamento político. Eu não posso viajar para a Palestina, fazer uma selfie da minha cara e dizer que não me conecto com questões políticas. O meu silêncio também se transforma num manifesto.

Eu, particularmente, não concordo [com a opinião de Medina]. Graças a Deus, as pessoas sabem o que eu significo, sabem no que eu acredito, pelo que eu luto. Entendo que o festival também sofre pressões de outros universos e acho que eles tentam se posicionar de uma maneira mais neutra, o que também acredito ser legítimo, mas não é uma expectativa que se deva ter com relação aos artistas. E eu nem estou falando só dos artistas que concordam comigo. Arte é arte e nosso posicionamento precisa ser livre.

g1 - Esse Rock in Rio, pela proximidade com a eleição, será diferente de alguma forma?

Emicida - No Lollapalooza, no começo do ano, a energia já estava daquela maneira [a edição de 2022 do festival foi marcada por manifestações políticas]. É impossível você juntar 100 mil pessoas e querer que aquelas 100 mil pessoas não exerçam seus direitos cívicos. Isso é um direito do cidadão mesmo. E é um desejo também, um sonho.

O Brasil tem um sonho de produzir dignidade, se perde em mil caminhos para alcançar esse sonho, mas continua caminhando. E, se tem uma coisa que tem ficado cada vez mais sublinhada, é que [o presidente] Bolsonaro é o oposto de tudo de digno que a gente pode sonhar nesse lugar.

g1 - Já é possível fazer um balanço dos danos que foram gerados pra cultura no período de pandemia?

Emicida - Eu acho que ainda não. A euforia do momento que estamos vivendo não permite que a gente faça essa análise pragmática de como se encontra o mundo cultural. Mundo cultural, que foi muito atacado inclusive pelo que ele significa, pela capacidade dele de fazer as pessoas imaginarem como o mundo pode ser diferente.

A gente ainda não fez uma leitura do panorama de terra arrasada em que a gente se encontra. Quantas casas fecharam? No Brasil e no mundo, foram fechadas instituições que estavam abertas há 50, 100, 300 anos. Esse tipo de coisa é uma grande perda e muda o caráter cultural de algumas regiões.

A gente vai ter agora uma temporada de vários eventos. Depois, vamos pular para o verão e emendar no carnaval. Talvez, depois do carnaval do ano que vem, a gente possa ter uma leitura mais precisa disso.

g1 - Você foi um dos primeiros nomes do rap a ser incluído na programação de grandes festivais e hoje vê o gênero ganhar cada vez mais espaço nesses eventos. Além da qualidade dos artistas, ao que atribui esse movimento?

Emicida - A um grande esforço coletivo.

"Foram quatro décadas, quatro gerações ouvindo, de uma maneira pejorativa, que o rap era uma moda. Mas não existe nenhuma moda que dure quatro décadas."

É uma grande conquista ter feito parte dessa construção. Eu só acho que as gerações que vêm depois da nossa precisam se concentrar na magia dessa construção coletiva. Isso propiciou que tantos artistas do rap estejam nesses palcos, circulando pelo Brasil e pelo mundo. É importante que as próximas gerações se concentrem em dar continuidade a isso. Se eu posso ser meio tiozinho agora e dar uma orelhada, minha orelhada é essa: mantenham a chama acesa, jovens.

Veja a programação completa do Rock in Rio

Como e onde assistir aos shows ao vivo?

g1 - Você acha que hoje dá para dizer que os festivais são equilibrados em termos de gêneros musicais?

Emicida - Acho que não. A gente acabou de tocar em Belo Horizonte, no festival Sarará, e lá teve uma coisa que me emocionou muito. Quem tocou antes da gente foi o Zeca Pagodinho. Eu até me emocionei, invadi o palco para ver o show do Zeca. A gente se divertiu para caramba.

Mas olha que coisa louca: em todos esses anos participando de tantos festivais no Brasil, foi a primeira vez que eu vi um artista como Zeca no mesmo line-up que a gente.

"Não ter o samba no line-up dos grandes festivais é algo que me frustra bastante. Não ter o samba nas listas de melhores discos do ano -- isso acontece com muita frequência -- me frustra muito."

Essa é uma das conquistas que a gente ainda está a produzir, a alcançar. Eu fico muito feliz de ser parte dessa conquista. Quando a gente declara nossas influências, como o samba é presente na nossa construção, como ele é uma forma de viver, como ele tá sólido dentro da nossa música, a gente abre espaço para que esse tipo de encontro aconteça ao vivo. E para que as pessoas passem a pensar cada vez menos no gênero, No final das contas, o que todos nós somos é isso: operários da música.

Emicida no João Rock 2022 em Ribeirão Preto, SP

Érico Andrade/g1

g1 - O pastor Henrique Vieira participou do seu show no Lollapalooza e, no Rock in Rio, você vai cantar com a Priscilla Alcântara. São dois nomes com uma forte ligação com a religião cristã. Você também fala bastante de fé nas suas músicas, que papel esse tema tem na sua produção?

Emicida - Eu nasci numa realidade muito pobre, muito triste. Quando você nasce numa realidade como essa, a única coisa que você tem é o acreditar. Eu não estou falando de fé enquanto uma coisa institucionalizada, traduzida pelas instituições religiosas. Eu estou falando da necessidade do ser humano de acreditar em algo, e nisso até os ateus se encontram.

A gente precisa acreditar em algo, terreno ou espiritual, mas o ser humano precisa acreditar em algo, nem que seja uma utopia. A função da fé, no final das contas, é essa: fazer com que a gente siga caminhando para frente. Por isso, eu gosto de colocar essa parada na música, e acho que bacana que as pessoas coloquem fone de ouvido e sintam que, na música que eu faço, elas encontram um motivo para continuar.

g1 - Você é um artista multitarefas: está na música, mas também na TV, em games, na moda… Acha que hoje existe uma pressão para que músicos sejam sempre mais que músicos? É tranquilo lidar com esse acúmulo de trabalho?

Emicida - Tranquilo, tranquilo…. não.

"Se eu pudesse simplesmente sentar e estudar meu piano, eu adoraria. Mas eu entendo que essa não é a forma com que o mercado se comporta."

Isso não é uma invenção do nosso tempo, só tem se tornado mais visível, Se a gente voltar um pouquinho, vemos, por exemplo, a Elis Regina e o Jair Rodrigues sendo apresentadores de um programa de TV.

Quantos artistas já não eram uma espécie de canivete suíço? O James Brown acompanhou o borderô [planejamento financeiro] dos shows até o último dia da vida. O artista sempre foi e sempre vai ser uma figura multitarefas porque, como eu disse antes, a gente não caiu de Marte. A gente está onde está por causa da quantidade de coisas com as quais se conecta.

A música acaba sendo como um filho. Você não pega seu filho, solta na rua e fala para ele voltar com 18 anos. Você vai cuidando dele e de todos os aspectos que o cercam. Isso vai nos direcionando para poder expor outros lugares onde a gente também é criativo, também tem interesse. E, como hoje a nossa vida inteira está mais exposta por causa das redes sociais, as pessoas têm oportunidade de ver a gente jogando videogame, praticando esporte e andando de cavalo, se você for o João Vicente [de Castro, ator e amigo de Emicida].

Fonte: G1

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