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A corrida da Ciência pelas causas da morte súbita de bebês

Por G1 em 27/11/2022 às 14:06:22
A síndrome da morte súbita do lactente mata milhares de bebês todos os anos. Ainda não sabemos a causa da síndrome, nem sua cura — mas os pesquisadores seguem avançando. A corrida da Ciência pelas causas da morte súbita de bebês

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Atenção: esta reportagem contém detalhes que podem ser sensíveis para alguns leitores.

Faltavam três dias para o segundo aniversário dos gêmeos.

Quando a mãe das crianças, Carmel Harrington, os colocou para dormir, ela esperava que Charlotte a acordasse várias vezes. Já seu irmão Damien — um bebê doce e envolvente, com seu cabelo ondulado castanho e apaixonado pela sua motocicleta de brinquedo — sempre dormia com mais tranquilidade.

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Mas Harrington acordou na manhã seguinte sentindo-se renovada. Até que, ao entrar no quarto dos gêmeos, ela encontrou o pior pesadelo para um pai ou uma mãe: Damien havia morrido durante a noite.

Existem poucos cenários mais terríveis do que esse. E, mesmo após 30 anos de estudos no setor de saúde pública, essa ainda é uma realidade para milhares de famílias em todo o mundo, todos os anos.

Na Austrália, onde mora Harrington, a síndrome da morte súbita do lactente (SMSL) ainda é uma causa importante de morte de bebês. Cerca de 100 bebês por ano morrem de forma súbita e inesperada todos os anos, normalmente durante o sono — uma categoria conhecida como "morte súbita inesperada na infância" (SUDI, na sigla em inglês), que inclui a SMSL, acidentes como sufocação ou estrangulamento e causas desconhecidas.

No Reino Unido, cerca de 300 bebês morrem subitamente durante o sono todos os anos.

Já nos Estados Unidos, a SMSL é a principal causa de morte de bebês com um mês a um ano de idade. Estima-se que 1.389 bebês tenham morrido de SMSL no país em 2020. No mesmo ano, outras 1.062 crianças morreram de causas desconhecidas e mais 905 mortes foram atribuídas a sufocação ou estrangulamento acidental na cama ou no berço.

Apesar das tragédias pessoais que cada um desses casos representa, os números gerais são frequentemente interpretados como histórias de relativo sucesso, já que os índices costumavam ser muito maiores.

Em 1990, por exemplo, para cada 100 mil nascidos vivos nos Estados Unidos, 155 bebês morriam de forma súbita durante o sono, de causas diversas que incluem SMSL. Dez anos depois, essa taxa havia caído para 94 a cada 100 mil nascidos vivos — e reduções similares foram observadas em todo o mundo.

Mas, nos últimos 20 anos, os índices se estabilizaram. Em 2020, a taxa foi de 93 bebês a cada 100 mil nascidos vivos.

E, embora os avanços da assistência médica, vacinas e medicamentos tenham ajudado, em muitos países, a combater e até erradicar diversas doenças que antes matavam milhares de crianças pequenas — como sarampo, caxumba, pólio e coqueluche, para mencionar algumas —, as mortes súbitas noturnas continuam sendo um mistério.

Não existe uma "vacina contra a SMSL". Mais do que isso, a SMSL é um diagnóstico por exclusão. Se não houver uma causa clara de morte, a SMSL frequentemente é o que aparece no atestado de óbito. E também não sabemos o que causa a SMSL.

"Por muitos anos, achamos que havia algo chamado SMSL. Este não é o modelo de trabalho atualmente", afirma Richard Goldstein, importante pesquisador da SMSL e especialista em cuidados pediátricos paliativos do Hospital Infantil de Boston e da Faculdade de Medicina da Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

"A SMSL é descritiva — é a descrição de algo que ocorreu. E essa ocorrência é que um bebê aparentemente saudável é colocado para dormir e morre durante o sono sem causa aparente", explica ele.

É verdade que conhecemos muitas formas de reduzir o risco da morte súbita inesperada na infância. É por isso que os pais são instruídos a manter as vacinas dos seus filhos atualizadas, não fumar, dormir no mesmo quarto dos bebês, colocar os bebês para dormir de barriga para cima e nunca dormir com seu bebê na cadeira ou no sofá, em superfícies muito moles ou sob a influência de álcool ou drogas.

Durante as primeiras semanas de vida, os bebês respiram apenas pelas narinas enquanto estão dormindo

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Entre outras instruções para reduzir o risco de SMSL, aconselha-se aos pais que nunca deixem seu bebê em uma posição em que o queixo fique sobre peito, o que restringe suas vias aéreas (como pode acontecer em um moisés, cadeirinha para carro ou miniberço). Eles também não devem "embrulhar" o bebê, o que pode causar superaquecimento.

Produtos para dormir inclinados, como miniberços e protetores de berço, foram recentemente proibidos nos Estados Unidos devido ao risco que eles representam, mas permanecem no mercado em outros países. E uma das razões que servem de incentivo à amamentação é sua relação com o menor risco de SMSL.

Algumas dessas orientações remetem à fisiologia infantil básica.

"O mais importante para o seu bebê é ter em mente que o que eles precisam durante o sono é fundamental. É diferente do que os adultos precisam durante o sono", segundo a pesquisadora Anna Pease, da Universidade de Bristol, no Reino Unido, que estuda formas de ajudar a prevenir a SMSL.

"Os bebês respiram preferencialmente pelo nariz", explica ela. "Nas primeiras semanas, eles respiram apenas pelas narinas quando estão dormindo. São orifícios minúsculos, muito pequenos, e eles precisam conseguir todo o oxigênio para sobreviver através dessas minúsculas narinas. É por isso que eles precisam ter o rosto livre."

"Tudo bem, eles querem agarrar o ursinho ou você pendurou um pedaço de musseline ao lado do seu rosto — arranque. Parece bonito para você, mas aquelas narinas estão mantendo o bebê vivo. Tenha certeza de que elas não sejam cobertas de nenhuma forma", ensina Pease.

Os bebês e crianças pequenas também se superaquecem com mais facilidade que os adultos. É por isso que as famílias são instruídas a não colocar roupas demais nas crianças e também evitar comportamentos comuns, como cobrir o carrinho para ficar mais escuro.

Quando o assunto é especificamente a SMSL, minimizar o risco não é o mesmo que erradicar as mortes — e compreender o que aumenta o risco da síndrome não é o mesmo que conhecer as suas causas.

Uma análise de 4.929 casos de morte súbita inesperada na infância nos Estados Unidos, incluindo a SMSL, concluiu que quase 75% das mortes ocorreram em um ambiente de sono com pelo menos um fator de risco. Mas isso também significa que mais de um a cada quatro bebês que morreram estavam em ambientes que aparentemente seguiam ao pé da letra as orientações de sono seguro.

Da mesma forma, uma análise das práticas de proteção das crianças contra todos os tipos de mortes súbitas inesperadas na infância, incluindo SMSL, na Inglaterra e no País de Gales em 2018/19 concluiu que "fatores que poderiam ser modificados" foram identificados em 60% dos 325 casos. E, em 40% dos casos, não foram encontrados fatores de risco (o que, vale a pena notar, pode também ser devido à falta de informação).

Também é preciso ter em mente o que é considerado fator de risco.

Nos Estados Unidos, por exemplo, fator de risco é qualquer desvio de um conjunto específico de circunstâncias: uma criança deitada de barriga para cima em um berço, sem nada além de um colchão seguro aprovado e um lençol adequado.

Alguns casos classificados como apresentando fatores de risco podem ser bebês que dormem junto com um dos pais que havia consumido álcool ou drogas, enquanto outros podem ser simplesmente bebês deitados de barriga para cima em um berço, com um urso de pelúcia próximo.

Existe ainda outro problema. "Nós não temos dados comparativos para mostrar quantas crianças com os mesmos fatores de risco não morrem — nós não compreendemos o denominador", afirma Goldstein.

Harrington, por exemplo, havia seguido todas as recomendações sobre sono seguro. Para ela e para a maioria dos pesquisadores da SMSL hoje em dia, era preciso ter um motivo para que alguns bebês com problemas pudessem acordar, enquanto outros, como Damien, não conseguiam.

Ainda não sabemos a causa da síndrome da morte súbita do lactente, nem sua cura - mas os pesquisadores seguem avançando

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Tecnicamente, o diagnóstico de SMSL agora é usado apenas para bebês com menos de um ano de idade. Hoje, a morte de Damien seria considerada "morte súbita inexplicável na infância". Mas muitos pesquisadores acreditam que os fenômenos e as causas podem ser similares.

"Eu não conseguia entender por que esses bebês não acordam", afirma Harrington. "Nós temos mecanismos de sobrevivência muito poderosos. Um bebê acorda com muita rapidez quando está insatisfeito."

Damien morreu em 1991. Em 1994, Harrington, que já tinha graduação em ciências com especialização em bioquímica, saiu do seu emprego como advogada para dedicar sua carreira à pesquisa da SMSL.

Em 2021, depois de mais de 25 anos, ela estava pronta para desistir. Em dezembro, ela tinha certeza de que seu estudo mais recente, para verificar se havia alguma associação entre um possível marcador bioquímico chamado butirilcolinesterase (BChE) — uma enzima que desempenha papel fundamental nas funções autônomas, como a respiração e o sono — e a SMSL, não iria encontrar nada. Ela pensou em se aposentar e passar o resto da vida pintando ou aprimorando seu francês.

Até que ela examinou os números. Em uma amostra de cerca de 700 bebês, incluindo 26 que morreram de SMSL, os bebês que sofreram SMSL tinham, em média, menor atividade de BChE, medida em coágulos sanguíneos secos retirados dois ou três dias após o nascimento, em comparação com os bebês que não morreram de SMSL.

Impulsionadas por um otimista comunicado à imprensa, as descobertas deram a volta ao mundo. As manchetes promoveram o estudo de Harrington de forma exagerada, afirmando que ela havia encontrado a "causa" da SMSL, ou que a "cura" era iminente. Mas, infelizmente, nada disso é verdade.

"Este é apenas um biomarcador. Não é a causa", afirma Harrington. "Neste estágio, o que ele mostra é um aumento da vulnerabilidade. O estudo ainda precisa ser confirmado por um laboratório independente. Mas o mundo precisa muito de uma resposta porque simplesmente não sabemos quais bebês irão morrer."

Epidemia moderna

A morte súbita de um bebê durante a noite é uma tragédia tão antiga quanto a história humana.

Uma referência antiga na literatura vem do Velho Testamento. Nele, o rei Salomão soluciona uma disputa entre duas mães sobre qual é o filho de cada uma delas. Uma das mães havia perdido o bebê durante a noite porque havia "se deitado sobre ele". O medo de sufocamento permaneceu forte por séculos.

Nos anos 1800, nos países ocidentais, mais famílias começaram a colocar os bebês em quartos separados dos pais. Mas os bebês continuaram morrendo.

E não foi só isso. Ao longo do século 20, as taxas dispararam em muitos países — embora fossem mais baixas em países como o Japão, onde as famílias frequentemente dormem em camas compartilhadas. Ficava claro que estava acontecendo algo mais do que "deitar-se sobre o bebê".

Na verdade, agora sabemos que bebês que dormem em quartos separados dos pais têm risco mais alto de SMSL e, por isso, geralmente se recomenda que pais e bebês durmam no mesmo quarto.

"No final dos anos 1980, quando a SMSL era muito mais comum, havia cerca de 1,5 mil mortes por ano" no Reino Unido, segundo Pease. "Todos pareciam conhecer alguém, ou conhecer alguém que conhecia alguém, que teve um bebê que morreu, totalmente sem motivo, durante o sono."

Primeiramente, a resposta para o que estava acontecendo parecia estar na forma em que os bebês eram colocados para dormir. Na Holanda, por exemplo, as mortes por SMSL mais que dobraram depois que os pais foram instruídos a colocar os bebês para dormir de bruços.

Agora está claro para nós que colocar os bebês para dormir de bruços, ou de barriga para baixo, aumenta muito o risco de SMSL. Isso pode ocorrer porque, aparentemente, essa posição impede a reação dos bebês de despertar — o que normalmente os agitaria se estivessem com dificuldade para respirar, por exemplo — e também aumenta a possibilidade de superaquecimento.

Os países começaram a promover campanhas de saúde pública, destacando a importância das orientações sobre o sono seguro. Normalmente se atribui a essas campanhas a redução pela metade das taxas de SMSL e a incidência de bebês que sofreram SMSL encontrados de bruços diminuiu significativamente.

Mas, embora as campanhas fossem conhecidas como "Volte a Dormir", este é um nome muito simplista. Além de instruir os pais a colocar os bebês deitados de barriga para cima, elas enfatizaram fatores como não fumar, já que o fumo aumenta o risco de SMSL.

Também se pode observar que as taxas de SMSL caíram ao mesmo tempo que a mortalidade infantil por outras causas - um sinal de que mudanças mais sistêmicas, como a maior universalidade da assistência pré-natal, podem ter colaborado.

A determinação dos fatores de risco para a SMSL é importante e já salvou milhares de vidas. Mas não se chegou à causa da SMSL, nem ao fornecimento de uma cura.

"Meu trabalho é lidar com famílias que passaram por isso. Em nome delas e em meu próprio, eu diria: 'faça tudo o que puder'", afirma Goldstein. "Mas, como pesquisadores que querem erradicar a SMSL, queremos saber qual é o processo causador para podermos combatê-lo diretamente."

O quebra-cabeça da SMSL

Existem diversos motivos para que a SMSL seja tão difícil de desvendar. Um deles é que ela acontece durante o sono, quando o bebê normalmente não está sob vigilância.

Outro motivo é a forma de classificação da SMSL. Quando a SMSL começou a ser acompanhada, os médicos examinadores muitas vezes classificavam a morte de um bebê durante o sono como SMSL.

Mas, atualmente, essa classificação é mais precisa. Por isso, parte da redução da SMSL pode dever-se a um efeito estatístico artificial - embora os pesquisadores indiquem que, novamente, a queda e a estabilidade da morte súbita inesperada refletem os níveis gerais da mortalidade infantil, de forma que é improvável que este efeito isoladamente tenha grande influência.

Atualmente, segundo Pease, em vários países, incluindo o Reino Unido e os EUA, uma morte é definida como SMSL quando, mesmo após o exame post-mortem, avaliação do histórico clínico e investigação das circunstâncias, não houver causa concreta da morte.

Mas, mesmo nesses casos, muitos patologistas sentem-se mais confortáveis com o termo "indeterminada", afirmando sua percepção de que a SMSL indica um único fator patológico desconhecido. Por isso, as taxas de SMSL podem sofrer subnotificação.

Também existem outras razões pelas quais pode haver mais casos de SMSL do que pensamos. Se um bebê for encontrado deitado de bruços, por exemplo, muitos patologistas diagnosticarão a causa da morte como algo como "asfixia posicional" e não SMSL - mesmo se as crianças nessas circunstâncias, em sua maioria, acordarem e mudarem de posição sozinhas, segundo o cientista forense Torleiv Ole Rognum, importante pesquisador da SMSL da Universidade de Oslo, na Noruega.

Ou, conforme o recente artigo de Goldstein e seus colegas, os médicos examinadores muitas vezes afirmam que a causa da morte foi "sufocamento" quando observam algum fator de risco relativo ao sono no local da cena, como um cobertor ou travesseiro, mesmo que não haja evidências físicas de que o bebê tenha sofrido obstrução da respiração.

O processo de investigação também varia de um país para outro. Na Noruega, segundo Rognum, realiza-se autópsia completa em até 48 horas após a morte, incluindo um elemento particularmente importante: a microbiologia. Já no Reino Unido, uma autópsia médica leva uma semana e uma autópsia forense só é completada em um mês.

"Isso é estranho", segundo ele. "O que você pode encontrar em uma autópsia depois de um mês? Já demonstramos que você não pode confiar na microbiologia por mais de 48 horas depois da morte."

Além disso, segundo Goldstein e seus colegas, as mortes súbitas de bebês são avaliadas fora das instituições que investigam doenças não diagnosticadas.

Muitas vezes tratadas inicialmente como investigações criminais, elas recebem autópsias forenses, que não envolvem técnicas como identificação fenotípica avançada e pesquisas moleculares que são empregadas para diagnósticos clínicos. E isso ocorre mesmo sabendo que a SMSL é "a última doença não diagnosticada", segundo Goldstein.

"Além de não responder à confusão e à dor emocional das famílias, nós permitimos que a avaliaçãcom/portuguese/vert-fut-63582633

Fonte: G1

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